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AMOR IPSE INTELLECTUS

Amar é fugir à individuação.

Miragem

«Fui a outras terras com essas raparigas mas as terras mudam muito quando lá não param os corações. Mal chegamos onde queríamos, descobrimos de onde precisamos de fugir. (...)O mundo inteiro é muitas vezes muito pouco, para quem não anda à procura de nada.»MEC, AF

Olho sentado no meu banco,
a baixa burguesia em que respiro
ao vómito toma a compreensão o flanco
viver é a corrida de que não se ouve o tiro.

Calma modorra que oculta
o caos que se anima debaixo

carro casa plasma e colecção dos Pink Floyd
pingo doce ao fim de semana
um terço do vocabulário em workinglês

camisas passadas fora das calças
sapatos da moda que trouxeram as brasileiras
tentam muito mostrar o tão casual que são

e acho que sinto o horror deste verniz,
só quando morre alguém, se divorcia alguém,
sem emprego se vê,
pensa esta gente no que é estar vivo.

Eu, como bom espectador,
tenho momentos de me banhar na água morna
e vejo agora que mais que desejada
a monotonia do burgo, é a fuga desesperada do medo.

Como muito amor se dá, porque se tem medo de vivermos sozinhos sozinhas, só com memórias de fracassos.

JCNF

Divórcio

«De facto, de um momento para o outro, eu começara a sofrer violentamente como há muito não mo permitia, porque me refugiava ora na melancolia ora na tristeza, duas dores doces e bem diferentes.» PP, PortoKyoto p.27

O absurdo é o sentimento de divórcio entre o homem e a sua vida. Não sou só eu que o digo.
Já faz algum tempo que adormecido havia, a minha intelectualidade. Essa monstruosidade socrática.
Tenho-me deitado no leito da inconsciência, mas nem a ignorância me deixa feliz. O mundo permanece surdo e indiferente às minhas questões, projectos, fórmulas e teorias. É e também não é, mas sendo só isso ao mesmo tempo que também o não é. Esta é a porta a que sempre chego.
Não há verdade. Não há caminho. Só caminhada.
Logo não podemos estar errados, façamos o que façamos?
Não há verdade, apenas arte na mentira.
Tenho caminhado. Apenas caminhado. Longe destes momentos só para mim. Até que começaram a chamar-me.
Tudo tem um preço. Eu paguei nove anos, mas quanto cresci nesse tempo. Agora apenas tenho a escolher os fios com que me teço.
Este texto é na primeira pessoa para a primeira pessoa.
Todo o mal que a mim fiz, foi tudo o que paguei. Hipnotizei-me em projecções no futuro de felicidade, como se o outro viesse suprir o que me falta.
O princípio da preguiça e da irresponsabilidade está aí.
Os meus brinquedos preferidos de pequeno eram um rato Mickey em tamanho grande, com quem brincava aos amigos devotos e a inimigo em cenas de porrada imaginária, e uma noção lírica de amor, onde a finalidade da vida seria a devoção total a uma alma gémea residente no porvir.
Atravesso agora o terrível deserto onde a lírica do amor desfeita pelo leão, já não me acompanha mais. Vagueio sozinho pelo mar de areia e já não espero chegar à Terra Prometida, contento-me em pernoitar em alguns oásis, que logo que passa o sono deixam de o ser e se transformam em miragens óbvias.
E gosto imenso.
Enquanto não chego ao oásis não descanso, para quando lá chegar me lançar de novo ao caminho, caminhando sem cessar, sem destino, auto iludindo-me que é no conforto de um oásis que encontrarei satisfação e paz, e não na ascensão mercerista na prisão do «Expresso da Meia Noite».
JCNF

Regramento

«É disso que te arrependes?
Sim. Devia ter bebido uma garrafa de vodka em vez de três. Mas de qualquer modo, importa termos um bocado de respeito pelo organismo, porque ainda há século e meio a esperança média de vida das pessoas era 34 anos. Nós não fomos criados para andar aqui mais do que quarenta anos, no máximo, tudo o resto já é esquisito. Os órgãos não foram concebidos para durar sessenta anos, ou setenta, ou oitenta. A questão agora é procurar o tal equilíbrio de que falavas. Não a cobardia extrema de dizer “já não bebo mais, quero emagrecer, vou entrar na linha”, porque isso transforma-se num pavor da morte. E então é a mesma coisa que estar morto. Se tens o fígado todo fodido e estás a beber, é claro que está mal e que era melhor que não bebesses nada. Mas se vives nesse pavor, estás tramado.»
MEC

Frases curtas e incisivas.
Regradas.
Eficazes.
Mecânicas.
Ora viveste a vida, embriagado com o perfume.
Agora negas que lhe devesses ter retirado um cheiro.
Amaste até que te doesse, renegas agora a doação...
que em ti se manifestou...
Sob a capa de que, amo a vida e para desfrutá-la mais devia ter tido mais juízo.
A vida é excesso e exagero.
Se a alma não é de asceta, embriaguemo-nos nós pelos corredores do excesso.
Se a alma é de asceta, que se embriague de ascetismo.
A morte só ganha à vida através da ponte do arrependimento.
Há um nó na garganta, não sei como se chama, que dá sempre que somos chamados a pagar o cheque da imaginação.
Perante a morte, o regramento não passa de um cheque careca.
Tudo em excesso é o meu lema.
JCNF

Apologia do sofrimento

"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas.Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber.
Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo. O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão.
Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.
Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e é mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões.
(...)Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?(...)O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".
(...)Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz.
Não se pode ceder. Não se pode resistir.
A vida é uma coisa, o amor é outra.
A vida dura a Vida inteira, o amor não.
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."
MEC

Ora...
Tanto se fala do amor, como se fosse um passatempo dos ociosos e odiosos tempos modernos.
Falta de espinha no sofrer. A eterna questão perturbante do fado.
Como que se por maior o sofrimento, mais puro o amor. Ou o encaixe à dor é sinónimo de maturidade espiritual.
Como se a resignação seja sinal de sapiência. Acho que é mesmo ressabiagem emocional.
Quem menos ama controla, controlar para não repetir situações do passado, e tão alto foi o preço que se pagou.
Um desgosto de amor é uma morte em vida, e ninguém quer continuar a morrer.
Cantar a própria lama em que nos choramos, não a fará secar.
JCNF
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